BUCETA TRETA
PUSSY RIOT: EM AÇÃO [ACIMA] E NA PRISÃO [ABAIXO]
2 anos de cadeia. É o
tempo que vão pegar Nadezhda Tolokonnikova, 22 anos, Maria Alvokhina, 24, e
Yekaterina Sumtsevich, 30 – as 3 roqueiras presas por protestarem em uma igreja
em Moscou.
No dia 21 de
fevereiro, a catedral do Cristo Salvador foi invadida por garotas mascaradas usando
vestidos coloridos, empunhando guitarras, socando o ar e chutando alto, na
coreografia da canção ‘Punk Prayer’, cuja letra pede à Virgem Maria que afaste a
Rússia das garras de Vladimir Putin, às vésperas de sua reeleição p/ o 3º mandato
como presidente.
O protesto, apesar de
caótico, foi pacífico – e até engraçado. Mas o que se seguiu foi um processo kafkiano, uma
condenação injusta e a comoção mundial em torno de um grupo que existe há menos
de 1 ano.
REVOLT IN RUSSIA
Mais do que uma banda
de rock, Pussy Riot é um coletivo de mulheres ativistas. “Nosso objetivo é nos
afastar das personalidades em direção aos símbolos de protesto puro”, diz
Serafima, uma das integrantes em liberdade. Todas usam codinomes, como Tyurya: “Trocamos
frequentemente de nomes, balaclavas, vestido e papéis dentro do grupo. Alguém
sai, um novo membro se junta e a escalação em cada apresentação pode ser
inteiramente diferente.”

A motivação desse
protesto foi uma promessa de campanha, 13 dias antes, p/ investimentos na ordem
de £120 milhões em construções da Igreja Ortodoxa. “Temos que nos afastar da
noção primitiva que separa Estado e Igreja”, disse o candidato referindo-se ao Secularismo
e contrariando a constituição russa, segundo a qual não existe religião oficial.
BACK IN THE URSS
Desde que foi eleito,
Putin vem enfrentando manifestações públicas e usando a força policial contra a
oposição. “Tudo aquilo que fragiliza o país e divide a sociedade é inaceitável
para nós. Qualquer decisão ou medida que leve a distúrbios sociais e econômicos
é inaceitável”, discursou o ex-agente da KGB que se mantém no poder há quase 15
anos, seja como presidente ou primeiro-ministro.
“O Estado russo é
visto por críticos como um sistema político em que o Kremlin gerencia muito
além do esperado”, analisa Daniel Sandford, correspondente da BBC no Brasil: “A
linha entre o Estado e a Igreja é tênue e no sistema legal promotores e juízes parecem
não ter qualquer independência.” Democrática na aparência, a mão forte do
governo influencia até a cena musical.
“O que o Pussy Riot
tem para obter apoio internacional?”, pergunta a veterana cantora Valeria. “As
maiores estrelas do país tentam não se desentender com o presidente para não
pôr em risco sua principal fonte de renda, os shows particulares para os
super-ricos, que pagam muito bem”, diz Alissa de Carbonnel direto de Moscou. “Todos
sabem que perderiam espaço na televisão estatal se tomassem uma posição contra
o Kremlin.”
FREE PUSSY RIOT
Enjauladas desde
março, Nadezhda, Maria e Yekaterina ganharam visibilidade mundial quando a
Anistia Internacional comprou a briga e lançou a campanha FREE PUSSY RIOT. O
abaixo-assinado pedindo a libertação do trio incluiu nomes como Bjork, Pete Townshend
e Paul McCartney. “Eu e tantos outros que acreditam na liberdade de expressão
faremos tudo ao nosso alcance para dar apoio a vocês e à idéia de liberdade
artística”, disse o velho Macca.
“É difícil encarar a
apresentação da Pussy Riot como arte”, analisa o artista plástico Leonid Sokov,
russo radicado nos EUA. “Aquilo foi uma ação primitiva, mas de qualquer forma,
elas conseguiram o que todo artista quer e precisa: uma reação ampla e viva da
sociedade.”
PROTEST AND SURVIVE
Enquadradas por “crime
de vandalismo motivado por ódio religioso”, as Pussy Riot foram perdoadas pelo
clero ortodoxo, ganharam a empatia do Ocidente e atraíram atenção p/ a
liberdade de expressão na Rússia – ou a falta de. A chanceler alemã Angela
Merkel considerou o julgamento “excessivamente duro e não compatível com os
valores democráticos da União Européia, c/ a qual a Rússia se comprometeu”.
A Grã-Bretanha
divulgou em nota que o veredito “questiona o comprometimento da Rússia em
proteger os direitos e as liberdades individuais”. A Casa Branca disse que “entende
que o comportamento do grupo foi ofensivo a alguns, mas nos preocupa a maneira
como essas mulheres estão sendo tratadas pelo sistema judical russo.”
É possível que a pena
seja revista e abrandada p/ 1 ano de prisão – o que ainda soa absurdo se
pensarmos que elas deveriam ter respondido por perturbação da ordem pública e
punidas com trabalhos comunitários, no máximo. “Este caso se junta a outros de
intimidação política e perseguição de ativistas por parte da Federação Russa”,
reforça o coro a representante da União Européia, Catherine Ashton.
ANARCHY AND PEACE
Spencer Ackerman,
jornalista americano especializado em segurança nacional, lembra do caso dos
Crass, punks ingleses que foram presos e julgados durante a guerra das Malvinas
por causa do hit que perguntava à primeira-ministra Margareth Thatcher ‘How
Does It Feel (To Be The Mother of a Thousand Dead?)’. A diferença é que os Crass
foram inocentados e escaparam das garras das autoridades. As 3 do Pussy Riot,
não.

Henry Langston, da
revista VICE, esteve c/ outras 4 integrantes do grupo: Garadzha, Kot, Kyurya e
Serafima. A revolução já estava no ar. C/ suas balaclavas fluorescentes e postura
anti-establishment, as ‘riot grrrls’ russas galvanizaram o zeitgeist.
C/ vocês, a única
banda que importa:
VICE - Por que ‘PUSSY
RIOT’?
Garadzha - Um órgão
sexual feminino que deveria apenas receber de repente começa uma rebelião
radical contra a ordem cultural que tenta constantemente defini-lo e mostrar
qual é o seu lugar. Os sexistas têm certas ideias de como as mulheres devem se
comportar, e Putin também tem alguns pensamentos sobre como os russos devem
viver. Lutar contra tudo isso é a Pussy Riot.
Kot - Você não devia
ter respondido essa pergunta, Garadzha, porque geralmente não fazemos isso.
Quando os policiais e os agentes da FSB nos interrogam e perguntam: ‘O que
essas letras em inglês no seu banner significam’ — colocamos um banner durante
alguns dos nossos shows ilegais e dificilmente qualquer um desses babacas sabe
falar qualquer língua estrangeira — então a gente geralmente responde: ‘Bom,
senhor policial, não é nada de especial, essas palavras significam ‘Rebelião das
Gatinhas de Estimação’. Na Rússia você nunca deve dizer a verdade para um
policial ou agente do regime putinista.
Serafima - Este país
precisava de uma banda militante de street punk feminista que pudesse tocar nas
ruas e praças de Moscou e mobilizar a energia pública contra os bandidos da
junta putinista, enriquecendo a oposição cultural e política com temas que são
importantes para nós: gênero e direitos LGBT, problemas da conformidade
masculina e a dominância dos machos em todas as áreas do discurso político.
VICE - Quais são suas
influências musicais?
Garadzha - Muito do
crédito vai para o Bikini Kill e as bandas da cena RIOT GRRRL — de certa
maneira nós desenvolvemos o que elas fizeram nos anos 90, embora o contexto
seja absolutamente diferente, e com uma postura exageradamente política, o que
leva todos os nossos shows a serem ilegais. Nunca fizemos um show num clube ou
em qualquer espaço especial para música. Esse é um princípio importante para
nós.
Kot - Algumas de nós
se inspiram nas bandas clássicas de punk OI! do começo dos anos 80: The Angelic
Upstarts, Cockney Rejects, Sham 69 e outras — todas essas bandas tem uma
energia musical e social incrível, seu som rompeu a atmosfera de sua década,
espalhando confusão por toda parte. A vibração deles realmente capta a essência
do punk, que é o protesto agressivo.
VICE - Quais são suas
principais influências feministas?

Garadzha - E como foi
dito, em termos de cenas musicais feministas, ativismo e construção de
comunidade, nós damos o crédito ao movimento Riot Grrrl.
VICE - Pussy Riot está
procurando novos membros?
Garadzha - Sempre! A
Pussy Riot precisa continuar se expandindo. Essa é uma das razões porque
escolhemos usar sempre balaclavas — novos membros podem se juntar ao grupo e
realmente não importa quem vai fazer parte do próximo show — podem ser 3 de nós
ou 8, como nosso último show na Praça Vermelha, ou até 15. A Pussy Riot é um
corpo pulsante em crescimento.
Tyurya - Você conhece
alguém que queira vir para Moscou, tocar em concertos ilegais e nos ajudar a
lutar contra Putin e os russos chauvinistas? Ou talvez as pessoas possam
começar suas Pussy Riots locais, se acharem que a Rússia é muito distante e
muito gelada.
VICE - Melhor eu
arranjar uma balaclava neon pra mim também. Vocês se preocupam com a
perseguição da polícia ou do Estado conforme vocês ficam mais e mais
conhecidas?
Kot - Não temos nada
com que nos preocupar, porque se os bandidos repressivos putinistas jogarem uma
de nós na cadeia, 5, 10, 15 garotas mais vão colocar balaclavas coloridas e
continuar a luta contra seus símbolos de poder.
Serafima - E hoje, com
dezenas de milhares de pessoas nos apoiando, o Estado vai pensar duas vezes
antes de tentar fabricar um caso criminal para nos tirar de circulação.
VICE - Como vocês vêm
a Rússia sob um novo governo liderado por Putin?
Tyurya - Como uma ditadura
de Terceiro Mundo com todas as suas características divertidas e cheias de
classe: uma horrível economia baseada em recursos naturais, níveis
inacreditáveis de corrupção, ausência de tribunais independentes e um sistema
político disfuncional. E sob o governo de Putin é bom se preparar para mais uma
década de sexismo brutal e conformismo com as políticas oficiais do governo.
Serafima - Como você
via a Líbia sob o governo de Gaddafi? Como você vê a Coreia do Norte sob o
governo de Kim Jong-Un, o ‘brilhante camarada’ de 28 anos? Para nós, a Rússia
sob o governo de Putin, aka ‘O Líder Nacional’, não é diferente.
VICE - O que vocês
acham sobre os outros grupos antigovernamentais, como o Voina e o Femen da
Ucrânia?
Tyurya - O Voina é
legal, acompanhamos eles de perto, gostamos mais do seu período de 2007/08,
quando eles fizeram ações simbólicas muito loucas como o ‘Fuck for The Heir
Puppy Bear’ na véspera das eleições presidenciais de 2008. Eles desenharam
uma caveira com os ossos cruzados com laser verde no parlamento russo e fizeram
um enforcamento cerimonial de homossexuais e imigrantes ilegais como um
presente para o prefeito de Moscou, foram coisas poderosas.
Serafima - Nossa
opinião sobre o Femen é uma história complicada. Por um lado elas exploram uma
retórica muito masculina e sexista em seus protestos — os homens querem ver
garotas nuas agressivas sendo atacadas por policiais. Por outro lado, sua
energia e capacidade de continuar em frente não importa o que aconteça é
incrível e inspiradora: um dia elas estão na Suíça escalando a cerca do Fórum
Econômico Mundial e no outro já estão em Moscou atacando o quartel-general da
maior produtora de gás natural russa. E mesmo depois de terem sido torturadas e
humilhadas pelos agentes da KGB na Bielorrússia, elas prometeram continuar
lutando ainda mais. Energia é uma coisa muito importante nos dias de hoje;
grupos de rua na Europa e na América frequentemente carecem de força, mas essas
garotas realmente têm isso.
VICE - Qual foi o show
favorito de vocês?
Garadzha - Fora o da
Praça Vermelha, todas nós realmente gostamos do nosso show no telhado de um dos
prédios do Centro de Detenção de Moscou, onde as pessoas foram presas depois
dos protestos pós-eleição do dia 5 de dezembro. Os presos políticos podiam nos ver
de dentro das celas e gritavam e aplaudiam enquanto a gente tocava ‘Death to
Prisons - Freedom to Protest’. Os guardas e os funcionários da prisão ficaram
correndo de um lado pro outro porque não sabiam como tirar a gente
imediatamente daquele telhado. Eles ficaram tão assustados que ordenaram um
trancamento total imediato — acho que eles pensaram que ia começar um cerco ao
Centro de Detenção depois que a gente terminasse de tocar. Foi muito legal.
VICE - Vocês têm
planos de armar shows nas aparições públicas do Putin?
Tyurya - Putin tem
muito medo de fazer qualquer aparição realmente pública — todas as suas ‘reuniões
públicas’ são fortemente vigiadas, com partidários do Kremlin gritando e
mandando beijos. Mas um dia vamos pegá-lo desprevenido, com certeza.
Serafima - Então é
melhor ele dar o fora antes da gente conseguir por as mãos nele. Que o Putin
nunca queira encontrar a Pussy Riot cara a cara!
LIBERDADE PARA AS BUCETAS
PUSSY RIOT TOCANDO O TERROR
NADEZHDA, MUSA DO MOVIMENTO
ANTHONY KIEDS VESTE A CAMISA...
...MADONNA PÕE A BALACLAVA...
...PEACHES PUXA O CORDÃO...
...E O PREFEITO DE REYKJAVIC ADERE
FEMEN DERRUBA CRUZ NA UCRÂNIA
CENA DE PROTESTO EM MOSCOU